Quanto riso, oh, quanta alegria… É muita música, muito beijo, muito brilho, muita beleza, muita pele. É alegria demais para a minha disposição.
Não é que eu odeie Carnaval, tem tanta coisa para odiar: pernilongos, coentro, cruzeiros, grupos de Whatsapp, os chatos que odeiam Carnaval, “é sobre isso”. Mas isso não significa que eu ame o Carnaval.
Esse ano quero um pouco menos. Quero menos cores, menos barulho, menos gente, menos suor. Quero ficar em paz comigo e com os outros. “Bandeira branca, amor”.
Quando a Vai-Vai der o seu show na avenida, eu vou-vou é pro meu canto para colocar a leitura e o ócio em dia. Estou pronta para sambar nos Acadêmicos do Sossego, cantar o samba enredo da Unidos da Morgação. Vou é descansar do meu trio elétrico, a Mocidade Alegre de casa, meus meninos, que viajaram para cantos diferente nas “cidades maravilhosas do coração do meu Brasil”. São quatro dias sem ouvir “mamãe eu quero” e “me dá um dinheiro aí”.
Claro que a saudades vai bater, mas amanhã tudo volta ao normal, deixa a festa acabar, deixa o barco correr.
Não vou atravessar o deserto do Saara nos blocos de rua, vou mergulhar no meu bloquinho de anotações e registrar ideias que no dia a dia são sufocadas pela urgência da vida. Quero a percussão dentro da minha caixa torácica batendo num ritmo mais lento, quero sambar a minha própria música, me inspirar mais do que transpirar.
Estou mais para a crueza real do “The White Lotus” do que para gente fantasiada que se esconde por trás das máscaras. Estou mais para o silêncio do cinema do que caixas de som trepidando. Estou mais para o meu pijama de ursinho do que roupas animal print de leopardo, oncinha e zebrinha.
Quero menos glitter, mais glimmer. Quero os vislumbres da vida, a alegria discreta de momentos fugazes, o brilho das coisas simples. Quero a liberdade para colecionar momentos preciosos sem fazer disso um carnaval, sem data marcada.
Troco o glitter grudento e insistente pelo rosto lavado. Troco os quarenta graus de empolgação por dois ares-condicionados de vinte graus. Troco a alegria histérica coletiva —às vezes, desesperada— do olê-olê-olê-olá, pela monotonia do amor privado. Meu camarote não tem famosos: tem gente mais importante. “Quem sabe, sabe, conhece bem, como é gostoso, gostar de alguém”.
Vou tomar água de coco, sem moderação, para não correr o risco de confundir cachaça com água, porque, como aprendi em outros carnavais, uma vem do alambique e outra vem do ribeirão.
Não quero a insinceridade da “Aurora”, quero as verdades da Eunice.
Não vou vestir a máscara com o rosto da Fernanda Torres; quero vê-la de frente, sem máscara, na premiação. Quero dar uma pausa na minha pausa do carnaval, para fazer o carnaval e torcer para ela trazer a taça para a gente. Não é só o cinema, não é só a Fernanda que merecem isso; o Brasil merece isso. Marchinha só no Carnaval.
A inocência do Carnaval das bisnagas, confetes, serpentinas ficou no passado. Quando eu achava que Dalva era o nome de uma estrela que no céu desponta; que Aurora era a claridade do amanhecer; que a pipa do vovô, que não subia mais, era aquele brinquedo com varetas e papel fino preso por uma linha. Não era só a Chiquita que era bacana, todos os amigos da rua éramos iguais. As águas vão continuar a rolar, se a canoa não virar.
Carnaval pode ser tudo e pode ser nada, pode ser festa e pode ser fuga. E, para mim, neste ano, é só um feriado em uma “Cidade vazia”. E que delícia que é.
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